Homenagem ao Poeta Paulo Bomfim

Convidado, amavelmente, pela escritora e acadêmica Anna Maria Martins, Secretária Geral da Academia Paulista de Letras --- que, sabedora de meu permanente gosto pela Literatura, generosamente tudo faz para me aproximar daquela Casa de Letras --- para participar da Sessão especial do último dia 23 de maio, dedicada a homenagear o poeta Paulo Bomfim, na comemoração dos cinquenta anos de sua participação naquele areópago do qual é o decano, fui surpreendido com a agradável e preocupante possibilidade de proferir algumas palavras, por ato de pura gentileza do seu presidente, Antonio Penteado Mendonça.
Explicava-se o indisfarçável sentimento de ambiguidade que me tomou de assalto. Era muito gratificante, para mim, participar da justa homenagem ao estimado poeta Paulo Bomfim. Nada pudera preparar, porém, para fazê-lo... Tampouco imaginara que, não pertencendo à Academia, poderia, eventualmente, fazer uso da palavra...
Um tanto quanto constrangido diante da situação, na qual belíssimos pronunciamentos haviam sido feitos pelos senhores acadêmicos, literatos do mais alto coturno, como José Renato Nalini, Dom Fernando Figueiredo, Paulo Nathanael, José Pastore, Gabriel Chalita, Ruth Guimarães, Lygia Fagundes Telles, Renata Pallottini, Miguel Reale Jr., Fábio Lucas, Jorge Caldeira, Maurício de Souza, Ignácio de Loyola Brandão, entre outros, limitei-me a balbuciar algumas poucas palavras, num pálido e canhestro improviso, sem atrever-me a cometer a cinca de falar como se um acadêmico fosse...
Lembrei-me, assustado, de que, com o passar dos anos, já não mais consigo me recordar de quase nada... Aquele "alemão famoso", que tanto nos mete medo --- já fungando ferozmente em meu cangote há algum tempo ---, impediu-me de tentar lembrar alguma coisa... Como lembrar-me dos versos do poeta homenageado. Que se dirá, então, da dificuldade de dizer versos sem tê-los diante dos olhos?...
Vieram-me à cabeça espessa, por pura sorte, aqueles versos de Drummond, que tão bem definem o fazer poético de Paulo Bomfim:
"Lutar com palavras
É uma luta vã;
Entanto lutamos,
Mal rompe a manhã"
Mas eu queria me lembrar de algum dos poemas de Paulo Bomfim, que me acompanharam durante a vida... Um dos sonetos dele, chamado "Soneto dos muitos eus", do qual sempre muito gostei, é este:

"Um eu ficou no mar aprisionado
E deixou-me por pés as nadadeiras;
Outro ficou nas nuvens caminheiras,
Por isso bato os braços no ar parado.

Um eu partiu menino ensimesmado
E ofertou-me palavras verdadeiras,
Outro amou suas sombras companheiras,
Outro foi só, e um outro de cansado

Caminhou pelos becos. Há também
Aqueles que ficaram na poesia,
Nos bares, na rotina, o eu do bem,

Do mal, o herói, o trágico, o esquecido.
Eu gerado por mim na liturgia
De um todo para tantos dividido!"

Mas só tinha na cabeça o "Outro ficou nas nuvens caminheiras, /Por isso bato os braços no ar parado... E, na ocasião, não pude ir além disso...

Queria me lembrar, ainda, de um outro soneto que também falava da nossa morte diária, mas me lembrava apenas, sem a certeza da precisão, do terceto final, assim elaborado:

"Morro assim, dia a dia, e meus segredos
Serão círios ardendo quando abrir
Uma rosa de estafa entre meus dedos."

Para não errar, não me arrisquei a dizê-lo. Tratava-se do "Soneto do Morrer Diário", que ora reproduzo em sua integra:

"Mato-me por descuido ou de cansaço,
Como alguém que saltasse dividido,
(Um eu premeditado, um eu perdido,)
Em divórcio irreal em seu espaço.

Morro de morte inútil. Cada traço
De meu rosto fiel jaz diluído
Na emboscada do espelho, repetido
No olhar dos saltimbancos onde passo

Como um filme qualquer, um filme mudo
De atores com vontade de partir,
E sentimentos que perderam tudo.

Morro assim, dia a dia, e meus segredos
Serão círios ardendo quando abrir
Uma rosa de estafa entre meus dedos."

Mas havia um outro poema do qual eu não me lembrava de nenhum verso, subsistindo na memória apenas uma vaga referência ao "cabo das tormentas"... "De repente, não mais que, de repente", como diria o saudoso Poetinha, eis que a emoção tomou conta ao ouvir a declamação do poema pelo acadêmico Jorge Caldeira. Ei-lo:

"Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonia.

Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.

Retenho dentro da alma, preso à quilha
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha

Onde sonham morrer os albatrozes...
Venho de longe a contornar a esmo,
O cabo das tormentas de mim mesmo."

Enfim, tanto os acadêmicos quanto os poucos convidados de fora da Academia tiveram apenas dois minutos para homenagear o poeta Paulo Bomfim... Muito pouco tempo, por certo, para homenagem de tal calibre. Há que repeti-la, presidente!...