Quando tento me lembrar do dia em que conheci Paulo Bomfim, via de regra esse esforço é frustrante. Paulo Bomfim frequenta minha vida desde a tela em preto e branco da TV Telefunken na qual, quando criança em minha Araras natal, assistia o Mappin Movietone e sonhava conhecer a cidade de São Paulo com tantos detalhes quanto meu pai e meus tios.
Aliás, foi meu tio Nicolino, um grande publicitário, quem me alertou que o apresentador que aparecia sorridente na tela era Paulo Bomfim, que era também Poeta e que o conhecia pessoalmente.
- Conhecer alguém que está na TV? - Nos meus cinco anos, não conseguia atinar como isso era possível. Cheguei mesmo a olhar atrás do tubo do aparelho para ver se Paulo estava escondido ali, mas não havia ninguém, apenas chiado e minha avó mandando sair de lá, antes que levasse um choque.
Tive passagens especialíssimas com o Poeta. Os almoços com cardápio e sabor de casa do interior, o alimento preparado com esmero e amor por nossa querida e inesquecível dona Lúcia, com o Nico Penteado e Dom Fernando Figueiredo, quando o Poeta voltava a ser menino e se deliciava com histórias e com os cantos da Legião Estrangeira. E pedia mais pois, segundo relatou-nos, no tempo em que ele era rapaz, amores frustrados somente se curavam alistando-se na "Legio Patria Nostra".
O 09 de Julho de 2013. Depois de 20 anos de pedidos vãos, Paulo me chamou à sua casa e em tom solene resolveu me presentear com o anel de bispo do Padre Diogo Antonio Feijó. Perguntei se o presente era para a Polícia Militar e ele disse que era para mim. Reperguntei se poderia, sendo proprietário do anel, fazer com ele o que bem entendesse, e ele concordou. Sai de lá diretamente para o Quartel do Comando Geral da PM e transferi a doação para guarda perpétua da Força, que foi fundada em 1831 a partir da determinação de Feijó, Ministro da Justiça da Regência Trina Provisória. O anel, hoje exposto em uma base de mármore e coberto por uma cúpula de vidro no Salão Nobre do Quartel do Comando Geral, é a única memoria material que a Instituição tem de seu fundador.
O dia em que fomos almoçar em Santana no Parnaíba com o coronel Rocha, neto do Comandante Julio Marcondes Salgado, e nossas famílias respectivas. Saindo do restaurante, convidei o Poeta a visitarmos a Casa do Anhanguera, hoje transformada em polo cultural. Ao chegarmos - surpresa! Uma exposição temporária, montada com muita sensibilidade e profissionalismo, exibia a obra de Paulo Bomfim. Na entrada, um grande banner convidava o público a visitar a exposição. Ao adentrarmos, um rapaz, quase um menino, nos recebeu com toda cordialidade e comentou aquilo que outro menino já havia comentado antes, na exposição de Anita Malfatti:
- Consta que o poeta ainda está vivo!
Paulo se divertiu a valer ao se apresentar ao rapaz, que se mostrou encantado de apertar as mãos de alguém cuja grandeza já permitia que transitasse entre o cotidiano e a eternidade.
E, por derradeiro, o dia em que o Chefe da Assessoria Policial Militar do Tribunal de Justiça me ligou, por solicitação do Presidente, Desembargador Roberto Antonio Vallim Bellocchi, e perguntou se eu poderia musicar o Hino do Tribunal de Justiça.
Respondi que era uma honra que o Poder Judiciário, tendo entre seus membros vários músicos talentosos, recorresse a mim, pessoa externa à Instituição, para cumprir essa missão, um verdadeiro privilegio. Por último, perguntei quem era o autor da letra:
- Paulo Bomfim.
- Então me desculpe, mas não vou musicar.
O Doutor Vallim Bellochi me ligou e renovou a pergunta:
- Mas por que, Coronel? - ele quis saber.
Respondi que não me sentia absolutamente à altura de musicar, na qualidade de um simples músico diletante, um texto do maior poeta vivo do Brasil. Entretanto - ponderei - se o Poeta me autorizar, eu comporei a música, com muita alegria.
Menos de cinco minutos se passaram. Paulo me ligou, me convidou para almoçar em sua casa e, com sua simpatia impar, me abraçou sorrindo e pediu, com sua doçura fraterna tão peculiar, que eu musicasse sua letra. E assim, pela generosidade e grandeza do então Chefe do Poder Judiciário e do Poeta, pude ser seu parceiro em duas obras: o Hino do Tribunal de Justiça e o Hino da Escola Paulista da Magistratura, este vindo a lume quando dirigia a Escola o saudoso Desembargador Antonio Rulli Junior.
A partida de Paulo Bomfim - que ao deixar o mundo físico se transformou em palavra, segundo sua própria definição - nos comove mas nos permite sermos gratos ao Criador, pela possibilidade de havermos conhecido e convivido com um ser humano excepcional, uma criança em sua pureza de olhar o mundo, um sábio e um guerreiro pela causa paulista, com sua exata capacidade de compreender as dores e alegrias da alma humana, sintetizando em palavras todo o sentimento que, ninguém como ele, conseguiu verbalizar.
Até mais, Poeta, Acadêmico e Irmão em São Paulo PAULO BOMFIM.