Notâmbulo te surpreendi adolescente, atravessando a madrugada, carregado de tédio e de drama, sob o domínio da saudade do amigo morto.

Trazias a poesia no olhar além do olhar, no andar tropeçando pedras imaginárias, nos gestos jogados como asas em frêmito. Eras estranho à cidade, pois não te medias nela, a usavas como quadro da tua aventura irreprimível.

Tua marca, quando usaste o canto, foi o reencontro com ritmos, moldes e vozes perdidas. Como os cubistas que tentaram recuperar, no exagero, as formas desvanecidas, esqueceste 22 e suas desregradas licenças e te colocaste, guiado pela mão do último parnasiano, no caminho dos sulcos abandonados, com passos ainda úmidos das pisadas dos antigos viajantes da poesia.

Teu triste Antonio, surgindo 25 anos depois da desvairada paulicéia, quebrava repúdios, conciliava etapas da respiração poética e, ousadamente, parecia negar princípios assentes, mas, na realidade, debruçava sobre o rio da poesia, vindo de sua imemorial fonte.

Tua canção senhorial, inscrita nos camafeus da linguagem, fundiu a inspiração à escultura do verso lavrado, reconquistando o formal precioso e solene e a metáfora panteísta de identificação do mundo humano com o mais escancarado mundo físico e cósmico.

Tuas mãos desenham o bordado dos decassílabos, como pontos exigentes, mas tentando captar o existente autêntico e emocional. Sangras os gestos na veia aberta, infâncias ressuscitam tardes mortas, um realejo toca além da lua, o sono das janelas sonha a rua e o vento varre as pétalas dos dias.

Te soltas no império das palavras e, com elas, amando-as, os jovens te compreenderão − porque as cultivaste e as valorizaste como insígnias no texto do poema, liberto de convenções, de escolas e de estilos. E por isso te saúdo, poeta Paulo Bomfim, pela emoção que animas e cultivas e que te tornam, nunca o indiferente, mas o ardoroso participante da circunstância.

Tua praia de sonetos, Via-Láctea de teus versos, caudal infinito a que se juntarão tantas outras vozes, iluminará o coração de todos os homens. E o Amor sobre tudo preponderará, como sempre quiseste e lutaste.

Maio de 1981 - Do teu amigo e irmão em poesia Francisco Luiz de Almeida Salles.