Um país que procura renegar seu passado, perde pé no presente e não deixa acontecer o futuro.
A frustração do povo brasileiro diante das “eruditas” comemorações do 5º centenário da descoberta do Brasil, machucou o inconsciente coletivo de uma nação que se sabe herdeira de glórias que, embora contestadas, vivem em suas raízes.
Afinal, quem descobriu o Brasil não foi Pedro Álvares Cabral, o Brasil foi descoberto pela língua portuguesa.
Antes disso, sonhado nas flores do verde pinho que se transformariam no madeirame das futuras caravelas. O Brasil veio nascendo no trovar de D. Diniz, neto de Afonso o Sábio e descendente de Eleonor de Aquitânia, filha de Guilherme de Aquitânia, em cujo sangue se espelhavam os tribunais de amor.
Nossa certidão de nascimento foi um documento literário, a carta de Pero Vaz de Caminha; oficiando o batismo da terra descoberta encontramos um magistrado que se tornara frade franciscano, Frei Henrique de Coimbra; e nossa crisma foi o prefácio de Luís de Camões para a primeira História do Brasil, de seu amigo Pero de Magalhães Gandavo.
O cérebro da esquadra cabralina chama-se Duarte Pacheco Pereira, o “Aquiles lusitano”, autor de Esmeraldo de Situ Orbis, sábio e guerreiro, personagem de Os Lusíadas.
Martim Afonso de Sousa e sua mulher Ana Pimentel estão presentes no Auto das Fadas, de Gil Vicente, e o primeiro bispo do Brasil, Pero Fernandes Sardinha, que havia sido professor de Teologia nas universidades de Paris, Salamanca e Coimbra, foi mestre de Inácio de Loyola.
Sempre a língua portuguesa descobrindo o Brasil!
Mem de Sá, nosso terceiro Governador Geral, era irmão do poeta Sá de Miranda, outro sábio do Renascimento.
Na Guerra Holandesa encontramos em nosso litoral a figura ímpar de D. Francisco Manuel de Melo, e um século e meio depois, esse mesmo litoral era visitado por outro poeta notável, Manuel Maria Barbosa du Bocage.
No Século de Ouro de Espanha, Lope de Vega escreve “El Brasil Restituído”, uma de suas peças menos conhecidas hoje.
Do alto dos púlpitos, Padre Antonio Vieira prega suas cruzadas com a espada do idioma português.
Na década de 20, o casamento de Antonio Ferro com Fernanda de Castro, tendo como padrinhos Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, tem um significado de manifesto da modernidade em São Paulo.
Em 1972 falamos em Portugal sobre um possível paralelo entre os moços de 22 e a geração dos “Vencidos da Vida”; entre as conferências do Cassino Lisbonense e a Semana de Arte Moderna do Teatro Municipal de São Paulo; entre Mário de Andrade e Antero de Quental. Ambos oscilando entre o sagrado e o profano, entre a religiosidade de suas raízes espirituais e o socialismo de suas antenas intelectuais. Ambos chefes de escola, misóginos e solitários, caminhando sob o fascínio da morte. Antero e Mário, duas vidas tragicamente ceifadas, que o tempo vai transformando em lenda.
O Brasil presente na obra de Ferreira de Castro e Vitorino Nemésio, o Brasil paixão de Jaime Cortesão (cuja filha Maria da Saudade foi casada com Murilo Mendes) e Fidelino de Figueiredo (cuja filha Helena foi casada com Antonio Soares Amora). Brasil, arquitetura de Ricardo Severo e amor definitivo de Jorge de Sena!
Em São Paulo, no bandeirismo, surge o 11° canto dos Lusíadas. Em Porto Feliz a caravela de Cabral se transfigura em canoa monçoeira partindo daquela Sagres cabocla rumo ao coração irrevelado de uma terra onde o quinto império da língua portuguesa aguarda seu destino!