Fui um menino terrível. Dei muito trabalho a meus pais.

Nos meus dez anos, quando aprontava alguma, minha santa mãe trancava no armário toda minha roupa.

Era o único castigo que surtia certo efeito. A perda da liberdade era compensada apenas pelos livros que ia lendo, os rabiscos que colocava num diário, e a remota possibilidade de fuga.

Não me lembro bem qual havia sido a travessura. Estava de férias, prisioneiro em minha própria casa, circulando pelo quintal de calção e camiseta.

Uma tarde, surge para uma visita de solidariedade, o primo Mário.

No porão da casa da Rua Theodoro Bayma, conversamos demoradamente. Queixo-me da injustiça sofrida e da saudade que sentia da namorada.

Um visitante atentamente ouvia os queixumes.

Súbito, uma idéia travessa passa por minha cabeça. Passa, isso é força de expressão; fica mesmo a dar cabriolas no circo que se armara dentro de mim. A idéia torna-se mais colante do que o emplastro de Brás Cubas!

Olho para o Mário e digo:

− Que roupa bonita você está usando! Onde foi comprada? É do “Preço Fixo” ou do “Empório Toscano”?

− Não sei, ganhei na semana passada.

− Primo, gostaria de vestir esse terno para ver como vai ficar em mim. Você deixa?

Mário, meio desenxabido, concorda. Tira a calça curta e o paletó que visto em seguida dizendo que iria ao banheiro para ver o efeito do traje no espelho.

Nesse dia, o terno do Mário foi visto na matinê do Odeon ao lado do vestido estampado de uma menina loira.