Nos idos de 63, quando ingressei nesta casa, passei a conviver com a mais bela lição de ecumenismo.

Convergiam para a Academia Paulista de Letras variadas correntes políticas, religiosas e estéticas, participando em perfeita harmonia diversidades que se igualavam nas encantadoras sessões de outrora.

Sob este teto coabitaram fraternalmente, o perrepista Altino Arantes, o integralista Plínio Salgado, o comunista Afonso Schmidt, o georgista Rubens do Amaral, o socialista Sergio Milliet, o nacionalista Monteiro Lobato, o separatista Alfredo Ellis Junior, o monarquista Ataliba Nogueira, o democrata Julio de Mesquita Filho, o protestante Manuel Carlos, os padres Manfredo Leite, Castro Nery, Hélio Abranches Viotti, Primo Vieira, o espírita Eurico Branco Ribeiro, os rebeldes da Semana de Arte Moderna de 22, os revolucionários de 32.

Todos unidos em torno da mesma democracia acadêmica regida pelo Presidente da República Washington Luis e pelos governantes do estado, Carlos de Campos, Altino Arantes, Pedro de Toledo, Macedo Soares e Lucas Nogueira Garcez.

Ah, esta nossa Academia, com tanta história para ser lembrada!

Sessenta anos antes da Academia Brasileira de Letras, uma mulher, Precilliana Duarte de Almeida já ocupava uma cadeira em nosso sodalício.

Sendo tão paulista é ao mesmo tempo a mais brasileira das academias estaduais!

Aqui encontrei a lembrança do gaúcho Freitas Valle, os catarinenses Afonso de Taunay e Monsenhor Manfredo Leite, os paranaenses Eurico Branco Ribeiro e Ernani da Silva Bruno, os mineiros Aureliano Leite, Basílio de Magalhães, Fernando Azevedo, e, agora, Fabio Lucas e Bolivar Lamounier, o paraense Afranio do Amaral, o maranhense Carlos Alberto Nunes, o pernambucano José Tavares de Miranda, o sergipano Cleomenes Campos, o alagoano Ricardo Ramos, os cariocas Goffredo da Silva Telles, José Geraldo Vieira, Lycurgo de Castro Santos Filho e Luiz Martins, os fluminenses Aristeo Seixas e Milton Vargas, os baianos Octacílio Lopes e Fernando Góes, o cearense Raimundo de Menezes, o teuto-paulista Erwin Theodor Rosenthal, o luso-paulista Domingos Carvalho da Silva e a ítalo-paulista Ada Pellegrini Grinover.

Todos, apaixonadamente identificados com o espírito desta Academia e irmanados à causa de Piratininga.

Recordar é conviver, é pensar com o coração e sentir que o ontem e o agora vibram juntos no largo que se alarga numa última trincheira: a Academia Paulista de Letras!

No ecumenismo deste silogeu confraternizam-se agora os 36, anos do empossando com a velhice verde de alguns colegas nonagenários.

Ouve-se ao longe, banhando o alto significado deste momento, o rumor das águas do Paraíba abençoando a mocidade sábia de Gabriel Chalita.

Cachoeira Paulista de tantas tradições transfigura-se na prosa límpida de Ruth Guimarães a mestra que vaticinou um grande destino para o aluno Gabriel Chalita que passa a ocupar a Cadeira 5 em nosso templo de paulistaneidade.

E como a história dessa cadeira está ligada a meus passos e ao meu coração!

Seu patrono, Eduardo Prado, conspirando com meu bisavô Carlos Baptista de Magalhães, pela volta do Império, Ulisses Paranhos, o primeiro ocupante, recebendo com tanto carinho meus primeiros vôos literários; Amadeu de Queirós que conheci ainda menino na Drogaria Baruel, e Carlos Alberto Nunes, amigo cuja erudição me presenteou um dia com a tradução da obra completa de Shakespeare. Sua esposa, D. Filomena, foi minha professora de português no Colégio Osvaldo Cruz.

Sucedendo a ele, com que emoção saudei Ignácio da Silva Telles, dos grandes Iniciados de minha geração.

Que amizade teria unido Ignácio e Chalita!

Que bela soma de luzes resultaria desse encontro!

Ambos amados por seus alunos, ambos seguidos por seus leitores, ambos, predestinadamente semeadores de conhecimento e amor.

Ignácio e sua juventude perpétua, Chalita e sua mocidade milenar.

Ah, o sortilégio desta noite povoada de saudade e de esperança.

Dois mestres se revezando em tempo de eternidade, dois irmãos que se reconhecem num coração que pulsa de amor há oitenta anos.

Ah, este meu coração tão bem habitado!

Em 20 de Junho de 1991, tive a glória de aqui receber o inesquecível Ignácio da Silva Telles. Hoje a tocha de seus sonhos é colocada nas mãos daquele que teria sido seu discípulo amado!

Sinto, embarcando com Chalita na máquina do tempo, que foi companheiro de Eduardo Prado, viajando com ele em andanças de Fradique Mendes, ou dialogando com Jacinto de Tormes na varanda da casa solarenga da Fazenda Brejão.

Sinto-o também conversando sobre História da Arte com Ulisses Paranhos, no escritório do Laboratório Paulista de Biologia, na Rua São Luis ou na residência hospitaleira da Rua José Getúlio.

O novo acadêmico, certamente teria participado das tertúlias que Amadeu de Queirós realizava na Drogaria Baruel e freqüentado assiduamente o apartamento de Carlos Alberto Nunes na Praça da República quando este traduzia os Diálogos de Platão e sua esposa Filomena comentava e traduzia Virgilio e Horácio, Homero e Anacreonte.

Ah, esse encontro fascinante com Ignácio da Silva Telles!

Que viagens espirituais entre esses peregrinos da Beleza!

A viagem principiaria aqui ao lado, na Rua Duque de Caxias, na residência da D. Olivia Guedes Penteado, avó de Ignácio; depois os dois percorreriam o cafezal da Fazenda Santo Antonio.

Livros e paisagens se sucederiam na inquietação dos garimpeiros de infinito, dos caminheiros que iam se transformando no horizonte que semeavam.

Magias desta máquina do tempo que é a Cadeira n° 5, encantamento que une seus ocupantes numa corrente cultural e espiritual de erudição e revelação, cadeira que pertenceu ao solar de D. Veridiana e que navega agora nas águas santas do Paraíba.

É ocupada a partir de agora por um escritor que encarna a poesia e que transmite nos livros que escreve sobre Direito, Filosofia, Política, Pedagogia e Religião, a vocação de viver e de transformar a anemia espiritual de nossos dias num ritual de encantamento e paixão.

Meu caro Gabriel Chalita, a Academia Paulista de Letras sente-se mais jovem com sua presença.

Seja bem-vindo a esta fraternidade de quarenta irmãos!