Do último encontro com Monteiro Lobato, guardo o “Urupês” com a dedicatória: “Ao Paulo Bomfim lembrando a bela tarde de 24 de junho de 1948.”

Dia frio, feito de arrepios e de passos apressados. A vida caminhava com mãos nos bolsos e chapéu desabado.

Cheguei à Livraria Brasiliense, na Rua Barão de Itapetininga, e subi para o apartamento do escritor. Lá chegando, vou encontrá-lo rodeado de alguns amigos. Edgard Cavalheiro, Fidelino de Figueiredo, Otavianinho Alves de Lima e, se não me falha a memória, Rubens do Amaral. Falava-se de georgismo e da salvação nacional através do imposto único. Lobato quedava-se absorto, distante e friorento, envolto na manta que lhe escondia os pés.

Apenas os olhos brilhavam debaixo das grossas sobrancelhas. De vez em quando um suspiro que vinha de longe, provavelmente do Belenzinho, onde o “Minarete” ressurgia do passado para aportar num presente em que resiste até hoje às unhas aguçadas do progresso.
Quando o silêncio das primeiras sombras desceu sobre o grupo, pedi a Lobato que me falasse de Ricardo Gonçalves.

Parecendo despertar de um sonho, olha-me fixamente e me diz:

- Mas por que você está me pedindo para falar dele agora?

Senti a sensação de haver cometido a indiscrição de escutar a conversa que mantinha com o amigo morto.

A cidade anoitecera. Saímos caminhando pela Barão de Itapetininga. Íamos silenciosos, pressentindo no frio da noite a geada que chegava das “Cidades Mortas”.

Poucos dias depois, na madrugada de 4 de julho, Lobato partia ao encontro de Ricardo Gonçalves.